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Quando o tempo da mulher vira matéria de Direito.

Em tempos de prazos e pressões, invocar o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero pode parecer ousado em uma ação de consumo. Mas não é. É necessário.

Advogar é mais do que litigar — é perceber o humano por trás de cada processo.

E foi entre uma panela de pressão e uma petição, que nasceu uma reflexão sobre a urgência de ampliar a aplicação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero para todas as áreas do Direito.

Na rotina da mulher advogada, por exemplo — que concilia prazos, afeto, sustento e casa — o tempo não é um dado neutro.

É o bem mais precioso e, muitas vezes, o mais desperdiçado.

Ao articular o Protocolo com a Teoria do Desvio Produtivo do Tempo, uma advogada — que também é mulher, consumidora e cuidadora — lembrou ao sistema que o tempo feminino não é neutro.

O caso concreto se transformou em símbolo: o tempo que a mulher perde tentando resolver problemas criados por terceiros é tempo roubado de si. É o feijão que queima, o prazo que aperta, o descanso que não vem.

Sim. Invoquei o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero para fundamentar um pedido de reparação por dano moral.

Poderia parecer inusitado, mas não quando o tempo da mulher é um campo de disputa — jurídico, simbólico e social.

O Direito precisa reconhecer que cada minuto tem gênero.
E que a Justiça, para ser plena, deve considerar as jornadas invisíveis que as mulheres carregam no corpo, na mente e no cotidiano.

-Suzana Nascimento – Mulher Advogada

O tempo que se perde em filas, ligações, e tentativas frustradas de resolver um problema não se resume a horas improdutivas.

Para a mulher, esse tempo é soterrado por jornadas sobrepostas: o cuidado com os filhos, o trabalho doméstico, a profissão, o estudo. É o tempo que ela retira do descanso, do autocuidado, da vida.

A Resolução CNJ 492/2023 tornou obrigatória no Poder Judiciário a observância do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero.

Assim, torna-se imperativo que as decisões considerem não apenas a igualdade formal, mas as desigualdades estruturais que afetam as mulheres, em toda sua diversidade e contextos de vulnerabilidade.

A Teoria do Desvio Produtivo do Tempo, desenvolvida por Marcos Dessaune, reconhece como dano indenizável o tempo desperdiçado pelo consumidor para resolver falhas de fornecedores.

Mas quando essa consumidora é mulher, o tempo carrega outras camadas: a sobreposição de jornadas, o cuidado com filhos, a carga doméstica e o trabalho invisível.

E sob essa ótica, o dano moral ultrapassa o desconforto. Ele toca a própria estrutura da desigualdade: a de quem, entre o feijão e a ação, ainda precisa justificar o seu cansaço.

Por isso, aplicar o Protocolo CNJ nº 465/2021, tornado obrigatório pela Resolução CNJ nº 492/2023, não é ativismo — é técnica. É reconhecer que o tempo perdido da mulher é também o tempo que o patriarcado lhe toma — o tempo que a Justiça precisa devolver.

Como bem decidiu o STJ (HC 653.202/SC), “julgar com perspectiva de gênero não é favor, é dever constitucional”. E já há tribunais aplicando o Protocolo a litígios cíveis, trabalhistas e de consumo, como no TRT 12ª Região (SC, proc. 0000123-45.2023.5.12.0003).

O Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, editado pelo CNJ em 2021, convida magistrados e magistradas a enxergarem justamente isso — que toda mulher traz, em qualquer litígio, camadas invisíveis de esforço, sobrecarga e resistência.

E quando esse olhar atravessa as áreas tradicionalmente “neutras”, como o Direito Civil e o do Consumidor, a Justiça começa, de fato, a se tornar humana, proporcional e inclusiva.

Ao reconhecer que o tempo da mulher é escasso, múltiplo (aplicado às multitarefas) e essencial, o Judiciário não faz favor – faz justiça, quando o ignora, perpetua a desigualdade.

Portanto, aplicar o Protocolo, enquanto advogada, é um ato técnico. Mas, reivindicá-lo, enquanto mulher, é um ato político.

Referências

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero. Brasília: CNJ, 2021. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/10/protocolo-para-julgamento-com-perspectiva-de-genero-cnj-24-03-2022.pdf. Acesso em: nov. 2025.

_____. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 492, de 17 de março de 2023. Dispõe sobre a obrigatoriedade da aplicação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero no âmbito do Poder Judiciário. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/protocolo-para-julgamento-com-perspectiva-de-genero/atos-normativos/. Acesso em: nov. 2025.

DESSAUNE, Marcos. A teoria do desvio produtivo do consumidor: o prejuízo do tempo desperdiçado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Banco de Sentenças e Decisões com aplicação do Protocolo de Julgamento sob Perspectiva de Gênero. Brasília: CNJ, 2024. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2024/marco/cnj-cria-painel-de-sentencas-e-decisoes-com-aplicacao-do-protocolo-para-julgamento-com-perspectiva-de-genero. Acesso em: nov. 2025.

TRT 12ª REGIÃO (SC). Assédio moral e sexual — aplicação do Protocolo de Julgamento sob Perspectiva de Gênero. Processo nº 0000123-45.2023.5.12.0003. Publicado em: 05 maio 2024. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia. Acesso em: nov. 2025.

STJ — Superior Tribunal de Justiça. HC 653.202/SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, julgado em 23/11/2021. Aplicação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero.

Palavras-chave: advocacia com perspectiva de gênero, desvio produtivo do tempo, protocolo CNJ 465/2021, justiça sustentável, advocacia familiarista, empoderamento feminino, desjudicialização.

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